14 de agosto de 2015

I - Unicidade



"Sempre que eu preciso me desconectar 
todos os caminhos levam ao mesmo lugar..."

Essa história de “o Um Amor” é claramente uma referência ao anel destruído por Frodo (ou seria pelo Sméagol) na Montanha da Perdição, terra inóspita a sudeste do Condado. Ok, parei! O caso é que é interessante esse uso definido do artigo indefinido. No caso do amor, então, faz todo o sentido do mundo.

Bem, no inglês, língua em que meu filólogo favorito escreveu a obra do milênio, diz-se “the One Ring”. Essa língua, diferentemente do português, diferencia o numeral do artigo indefinido. Ambos têm a mesma forma na última flor do lácio, “um”, enquanto no inglês há o “one” para o primeiro e o “a/an” para o segundo. Então, aquilo que serve para dar ideia de unicidade no inglês acaba indeterminando e indefinindo em português. Evidentemente, essa operação de indeterminação não se verifica, uma vez que sabemos bem a qual anel estamos nos referindo quando dizemos “o Um Anel” (as iniciais maiúsculas dão o último golpe na possível ambiguidade). Mas vale a pena divagar um pouco sobre a (in)determinação do amor.

O amor de qualquer um é indefinido até que se defina, indeterminado até que se determine, não específico até que se especifique. Estou usando os três termos como sinônimos para algo que eu tenho medo de que minha argumentação faça confundir com destino. Não quero entrar na pergunta-sem-resposta e resposta-sem-pergunta se há destino e se amores são predestinados, contudo não é pouca audácia dizer que muito mais do que o amor com o qual sonhei é tão menos extraordinário o amor com o qual nunca sonhei.

É muito fácil ser surpreendido: a imaginação antecipa coisas e essas antecipações são facilmente superadas ou sucumbidas. Às vezes o que acontece é mais do que se imagina, às vezes é menos. Nunca é a mesma coisa. Embora a mente seja a placa de vídeo mais perfeita que existe, a materialidade dos fatos observados a olhos nus e sentidas a corpos unidos é um ponto decisivo para a construção final da sensação. E parece que o tempo é o mestre de obras! O Projetista não cabe nessa teoria, mas é a Ele que precisamos saber agradecer.

Não resta, ou ao menos não deveria restar, dúvida de que há um certo embaralhamento no começo das coisas até que o amor faça algum sentido. Na verdade, nunca o compreendemos 100%, afinal somos humanos e talvez uma das coisas que nos defina como tal seja o fato de, mesmo não compreendendo, continuar tentando compreender o que é o amor. Se fica alguma dúvida sobre a hora certa de amar e de chamar algo de amor, é porque estão sobrando certezas numa terra onde há descoberta todos os dias. Para amar há que se indeterminar primeiro, aprender a dizer “não sei’, conformar-se que o que se sabe é pouco, indefinido, fragmentado. O amor é cola que há, um dia, de aglutinar todos esses fragmentos.

É, então, que parece inteligível uma das falas de Gandalf a Frodo: “há outras forças agindo neste mundo, além da vontade do mal. Bilbo estava destinado a encontrar o anel e você também estava designado a possui-lo. E esse é um pensamento encorajador”. Há alguma coisa que faz duas entidades serem unidas, assim o que é aparentemente indeterminado aos poucos se revela algo determinado desde sempre. O que antes nunca existiu passa a existir desde e para sempre. Não faz muito sentido, a princípio, mas toma contornos críveis quando pensamos que não pensamos em antes do começo e depois do fim do amor. Delegamos toda a nossa espiritualidade para a tarefa de destituir a máxima de que todo começo tem seu fim, considerando que, na verdade, não existe começo e que o que há é o que sempre houve.

Mais uma contradição se interpõe aqui e, com ela, eu termino essa parte: se é indeterminado para determinar-se, sendo que sempre foi determinado, como posso propor uma Teoria Geral do Um Amor? Bem, aqui é preciso ler “o Um Amor” da mesma forma que “o Um Anel”: é um único, um apenas. E é geral porque as teorias gerais devem explicar coisas universais... E esse Um Amor é o Universo que me contém. Exatamente por isso é impossível dizer que ele é meu precioso, pois eu é que pertenço a ela. A Teoria é Geral do Um Amor, meu antiobjeto de estudo aqui, então, se chama Amanda: gerúndio do Amor.

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