10 de novembro de 2010

Parte III


Vou à parede e examino o retrato,

irresponsável-amarelo-acinzentado-testemunha.

Meus olhos não se abrem e mesmo assim o vejo.

E mesmo assim te vejo, ó menino, encostado à palmeira de tua praça

e sem querer sair.

E mesmo assim te penso dique,

desolação de seca na caatinga, noite de insônia,

canção antiga ao pé do berço,

prata

fósforo queimado

poço interminável, seco.

Ouço teu sorriso e te obedeço.

Eu que desaprendi a preparação do sorriso

e não o consigo mais.

Estou preso a ti, ainda agora,

apesar do cabelo escurecido,

as mãos maiores e mais magras

e um súbito medo de morrer, amor à vida, tolo.

tenho preso a ti a palavra primeira

e o primeiro gesto de enxergar o espelho:

ouço-te, sou mais desgosto em mim, imcompreensível.

À tua ordem decido não envergonhar-me de existir

nesta forma disforme e de osso

carne

algumas coisas químicas

e uma vontade de estar sempre longe,

visitando países absurdos.

Não posso envergonhar-me de ser homem.

tenho um menino em mim que me observa

e ele tem nos olhos

(qual a cor?)

todas as manhãs e tardes e manhãs com sol e chuva

e eu menino, que me alumiava.

Tenho um menino em mim e ele é que me tem:

por isso a corcunda precoce

e os olhos banzos: tenho o corpo voltado à sua procura

e meu olhar apenas toca, e leve,

a exata matriz da calça

molhada em festa vespertina da bexiga.


Torquato Neto

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