18 de novembro de 2012

O(s) Jumento(s)



Insisto que esta vida é boa porque é possível nela ter certas experiências que na morte, purgatório ou noutra vida certamente não haveria chance de tê-las: é a vida um barco (a vela), um avião, um trem, um vagão, um carro de corrida, uma Brasília amarela (ou agora Camaro) ou – como tratarei – uma carroça?

Ouvir a mesma música diversas vezes e ouvi-la sempre de um jeito diferente é prova de que a aquarela demora muito para descolorir, se é que ela descolore. Já me passam duas décadas (quase) e ainda me vem o novo olhar, pois a verdade é que não é o novo que fascina e sim o novo olhar, o novo jeito de sentir: a re-novação... É essa a marca indelével que faz tudo ficar mais bonito, mesmo quando aparenta não existir sentido.

Uma visão bem renovada que tive foi a de um carroceiro e seu jumento. Não sei se a pouca experiência com a relação bípede-quadrúpede é que me fez ter observado tal coisa somente agora, mas me chamou a atenção um estofo (daqueles de sofá, poltronas e de paredes de estúdios) colocado nas costas do jumento. O estofo servia para que o mecanismo sobre o qual a carroça se apoiava não ferisse o animal. Achei aquilo lindo! Lindo e doloroso e esperto e egoísta e humano e mais e mais e mais...

Sempre observei os jumentos. Da minha religiosidade vem o jumento que carregou Jesus na calorosa entrada em Jerusalém. Da minha infância vêm os tantos equídeos destruidores do “gramato” da pracinha frontal à minha casa, onde eu insistia em calçar a chuteira para dar um pontapé rumo a uma meta imaginária. Da atualidade vêm os tantos jumentos que eu encontro nas ruas, becos, calçadas, quintais, terrenos, escolas, mansões, meios de comunicação etc.

Como seria lindo se todos nós colocássemos uma almofada nas costas do “jumento” que nos leva. Como seria lindo se nós reconhecêssemos o valor daquilo que nos sustenta, não simplesmente como o jumento para o carroceiro, mas como a “carroça” da nossa vida. Como seria lindo se fôssemos todos mais jumentos como os das carroças e menos jumentos como o que somos. Como seria lindo se sentíssemos o quão especial pode ser aquele que estamos levando nas costas – e também o quão jumento ele pode ser. Como seria lindo se percebêssemos as tantas formas de ver os sinais que a vida nos dá de que aqui é começo e o meio... (Fim? Nunca voltaram pra dizer como é esse tal fim...) que aqui já pode ser céu... 

Mas “tudo é igual quando se pensa em como tudo deveria ser”, alerta o poeta. Portanto fico aqui na minha observação da vida e na vivência dela, aprendendo quando é bom ver, que sempre é bom viver e que dizer tudo isso só serve para entender o quanto há para ver/viver/entender(ou não... para esse último) e ser feliz com a descoberta.
Foto: René Cid - Fortaleza (CE)